domingo, 17 de novembro de 2013

Kennedy passa de herói a equivocado estadista em livros didáticos dos EUA



The New York Times

Adam Clymer
Em Washington (EUA)

O presidente John F. Kennedy que os alunos aprendem hoje não é o JFK de seus avós. Em um livro didático de segundo grau escrito por John M. Blum em 1968 , Kennedy foi um herói trágico, ceifado muito cedo de um mandato transformador, que em seus meros mil dias no cargo "ressuscitaram a ideia de uma América jovem, em busca, progressiva, enfrentando o futuro com confiança e esperança."



 Em meados dos anos 80, essa excitação inebriante já era uma memória distante, e Kennedy uma memória diminuída. Um livro escrito em 1987 por James A. Henretta e vários colegas, queixou-se do véu de "mitologização" sobre seu mandato e disse que as grandes esperanças que ele gerou produziram apenas "escassas realizações legislativas".

A primeira – e para muitos a última – lição aprofundada que os estudantes norte-americanos aprendem sobre o 35º presidente vêm dos livros didáticos do segundo grau. E na véspera do aniversário do assassinato de JFK, há 50 anos, uma revisão de mais de duas dezenas de livros escritos desde então mostra que os retrato dele desde então, mostra que a imagem dele caiu acentuadamente ao longo dos anos.

Em geral, o retrato evoluiu de um jovem presidente carismático que inspirou os jovens do mundo todo para um extremamente falho, de alguém cuja oratória superou as realizações. Evitar uma guerra na crise dos mísseis de Cuba recebeu menos atenção e respeito. Os retrocessos legislativos e um envolvimento maior no Vietnã receberam mais. O glamour da era Kennedy parecia mais ilusão do que a realidade.

Por exemplo, um livro de segundo grau de 1975 escrito por Clarence Ver Steeg e Richard Hofstadter dizia que ao lidar com a crise dos mísseis cubanos em 1962, "a verdadeira natureza de estadista de Kennedy ficou totalmente aparente". Em "Um povo e uma nação", eles disseram que seu limitado tratado de proibição de testes nucleares em 1963 "foi o princial passo em direção à paz desde o início da Guerra Fria."

Quanto aos direitos civis, dizem, seu governo "não teve cooperação do Congresso". Mesmo assim, escreveram, equivocadamente, "ônibus, hotéis, motéis e restaurantes em grande parte aboliram a segregação" em sua presidência. A maioria dessas mudanças aconteceu quando o Ato de Direitos Civis foi assinado por seu sucessor, Lyndon B. Johnson, em 1964.

Usando o mesmo título em 1982, Mary Beth Norton e vários outros assumiram uma abordagem muito diferente em um livro para o ensino superior amplamente utilizado hoje em cursos de Advanced Placement [cursos avançados para ingressar na universidade].

Eles disseram que FJK "defendeu os direitos civis com uma falta de vigor notável". Eles o culparam pela crise dos mísseis, dizendo que os temores de invasão cubana-soviética foram alimentados pelo pouso na Baía dos Porcos em 1961 e outras ações dos EUA contra Cuba. Eles disseram que o verdadeiro legado de Kennedy foi "uma imensa expansão militar que ajudou a incitar os russos a uma acelerada corrida armamentista".

Em 2009, a "Jornada Americana" de Joyce Appleby disse sobre a crise dos mísseis: "Embora parecesse uma vitória na época, deixou um governo comunista intacto a poucos quilômetros da costa norte-americana. A humilhação de ceder também levou os soviéticos a iniciarem a maior escalada militar em tempos de paz da história."

Há uma grande variedade de motivos para esta mudança. Antes de mais nada, o fascínio pelo presidente jovem e belo e seu assassinato em Dallas elevaram Kennedy a um grau de heroísmo histórico impossível de se manter.

Outro é que os novos escritores e editores acrescentaram persectivas diferentes. Em particular, a geração do Vietnã começou a escrever e editar, e o papel de Kennedy na guerra começaram a ganhar importância. Além disso, seus casos extraconjugais vieram a público, alimentando as críticas. E o lançamento de fitas da Casa Branca, a partir de 1984, mostrou um político frio e pragmático, não o idealista em questões como os direitos civis sobre quem as pessoas ouviram e fantasiaram.

Finalmente, os anos 80 tiveram uma mudança na historiografia dos livros didáticos. Gilbert Sewall, diretor do Conselho Americano de Livros Didáticos, uma organização sem fins lucrativos que analisa materiais educativos, disse que a abordagem antiga era mais concentrada nos sucessos da história norte-americana. Nos anos 80, disse ele, isso foi substituído por uma abordagem "revisionista" que não só se concentrou em injustiças como os maus-tratos aos índios, mas também enfatizou as falhas de personagens antes tratados como heróis, como a atitude escravagista de alguns dos fundadores da nação. "O livro de Norton trouxe este revisionismo com clareza", disse ele.

Quanto a alguns aspectos da sua presidência, houve pouca mudança. Os livros didáticos oferecem visões positivas sobre o Corpo da Paz e o programa espacial. E a invasão fracassada à Baía dos Porcos em Cuba é tachada de um "fiasco" várias vezes. Mas os direitos civis, o Vietnã e a crise dos mísseis provocaram uma mudança nas visões.

Em seu livro de 1968 intitulado "Experiência Nacional: Uma história dos Estados Unidos", Blum disse que primeiro Kennedy se "concentrou" em ações do executivo, mas que em junho de 1963, ele "lançou uma nova batalha por leis novas e mais abrangentes de direitos civis". Essa medida, segundo ele, estava a caminho de ser promulgada quando Kennedy morreu."

Do final dos anos 80 em diante, expressões como "perder tempo", "dúvida" e "em cima do muro" eram comumente usadas para descrever a postura inicial de Kennedy. Seu projeto de lei de 1963 foi descrito em geral como "irremediavelmente paralisado", "amarrado" ou com "pouca chance de aprovação" no Congresso antes de sua morte.

Sobre a crise dos mísseis, Henry Bragdon elogiou Kennedy em seu livro de 1981 "História de uma Nação Livre", por exercitar a "moderação" e não se vangloriar da retirada soviética. Blum escreveu: " O triunfo norte-americano foi um tributo à combinação de resistência e moderação de Kennedy e à sua compreensão precisa dos usos do poder".

Semelhante ao tratamento do livro Norton, Carol Berkin e Leonard Wood escreveram em "Terra da Esperança: Uma História dos Estados Unidos" que embora "Kennedy houvesse identificado com sucesso o blefe de Khrushchev", sua vitória era "vazia" porque o líder soviético havia sido expulso por linhas-dura que "começaram a maior escalada militar em tempos de paz da história".

Ex-presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy: herói ou farsa?
 
Esta conclusão foi leve em comparação com a visão de Andrew Cayton no livro "Estados Unidos: Caminhos para o presente", de 1998. Cayton escreveu que, embora Kennedy parecesse um "herói" inicialmente, críticos mais tardios o achavam "imprudente". Ele escreveu: "Kennedy não usou os canais diplomáticos tradicionais para tentar resolver a crise, mas proclamou sua disposição de chegar à iminência de uma guerra nuclear e ir além. Ele evitou o desastre, observou Dean Acheson mais adiante, por "simples sorte".

Sobre a guerra do Vietnã, alguns dos primeiros livros ignoravam completamente Kennedy, tratando-o como uma guerra exclusivamente de Johnson. Outros diziam simplesmente que ele "ampliara" a ajuda dos EUA ao Vietnã do Sul. Em 1981, Bragdon escreveu que antes de sua morte houve "evidências de que Kennedy havia decidido que a situação no Vietnã era desesperançosa e havia decidido retirar as tropas norte-americanas do país."

Mas os livros mais recentes o chamaram de "Guerreiro Frio", um termo depreciativo, e enfatizaram que ele expandiu a guerra do Vietnã. Muitos foram céticos quanto a uma possível retirada.

Muitos textos de diferentes décadas, mesmo aqueles que o criticaram como o livro de Norton de 1982, reconheceram que Kennedy foi um líder que alimentou a esperança. O livro de Norton de 1982, em geral negativo, diz que ele "inspirou o idealismo nos norte-americanos".

Além disso, houve um reconhecimento generalizado de que Kennedy se tornou um melhor presidente durante seus 34 meses no cargo.

Gary Nash, cuja "Odisseia Americana" de 1991 disse que as "realizações fragmentadas" de Kennedy não foram grande coisa, ainda assim disse que Kennedy "aperfeiçoou-se no cargo" e concluiu: "à medida que seu mandato progrediu, suas iniciativas se tornaram mais ousadas, e a forma como lidou com o Congresso ficou mais agressiva e confiante."

Tradução de UOL Internacional - The New York Times
Versão Original:  The New York Times

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